Você já reparou nos minimapas? Tem jogos que acabam por ser um marco nas nossas vidas. Não necessariamente pela sua qualidade geral, mas porque fazem algo tão bem que se tornam uma referência. The Last of Us é minha referência em como contar uma história num game. Dark Souls me mostrou como dificuldade é um elemento importante de progressão. The Witcher 3 me ensinou como é possível ter missões secundárias tão interessantes quanto a história principal. E Metro 2033, um jogo que põe imersão e atmosfera numa Rússia pós-apocalíptica como seus “carros chefe”, foi o estalo que precisava pra perceber um problema comum que nem sabia ser um: o quanto jogos enchem a tela com informações desnecessárias – ou ao menos de forma preguiçosa.
Quase todo video game possui um HUD (ou Heads Up Display), que é toda a informação contida na tela, indo de coisas básicas como barras de saúde, quantidade de vidas e munição, até (especialmente em jogos mais recentes) informações de navegação como marcadores de rota, bússolas, lembretes de objetivo e minimapas – esses, em especial, são algo que eu particularmente detesto por tirarem minha atenção dos mundos incríveis em que muitos games se passam pra focar num círculo (ou quadrado) no canto da tela. Mas meu “gatilho” pra esse desconforto, que atualmente me leva a considerar opções de HUD como um motivador para jogar algo ou não, acabou por ser Metro 2033 e suas sequências, juntamente com alguns outros ótimos exemplos de como um jogo pode passar informações importantes sem poluir a tela com textos e pop-ups.
Jogos mais antigos já tinham uma tendência a HUDs minimalistas, seja pela simplicidade geral do design, seja pela pouca importância dada a acessibilidade ou, como diziam as más línguas, uma conspiração das desenvolvedoras com as publicadoras de revistas de detonados. Até tutoriais eram relegados a manuais físicos que os desenvolvedores esperavam que o jogador lesse – em alguns casos, como Metroid, até mesmo a história era contada quase que exclusivamente no manual do jogo. Isso mudou com a crescente popularidade dos video games, que passaram a atender os anseios de um público cada vez maior e impaciente, além do constate processo de digitalização que tornou manuais físicos uma coisa do passado e fez tutoriais in-game uma necessidade.
Mas com o surgimento e popularização dos games em 3D, alguns desenvolvedores resolveram tentar propiciar experiências mais cinematográficas, como Metal Gear Solid, e imersivas, como todo o gênero Immersive Sim, que focava em exploração e interações menos lineares e mais sugestivas. Em 1996, Resident Evil já tentava simular um filme de terror ao remover toda a informação da tela e torná-la exclusiva do inventário, com algumas sugestões visuais como auxílio: o personagem andar mancando significa que ele está com pouca vida e uma poça de sangue se formando embaixo de um zumbi significa que ele está realmente morto.
Mesmo em jogos em primeira pessoa, a ideia de criar uma experiência “HUD free” não é exatamente novidade. Em 1998, era lançado o ambicioso Trespasser. Desenvolvido pela DreamWorks Interactive, o jogo foi vendido como uma sequência digital de O Mundo Perdido – Jurassic Park, sendo um dos primeiros a fazer uso de física e prometia entregar dinossauros que se comportavam de maneira realista. Infelizmente, o jogo foi vítima da própria ambição, com prazo e orçamento limitados resultando num fiasco de crítica e vendas. Mesmo assim, o título ainda foi capaz de entregar mecânicas interessantes, como a física impressionante para a época (era quase impossível de rodar o jogo de forma estável em quase todos os computadores), a rotação da mão da personagem que permitia interagir com quase todos os objetos do jogo e apontar as armas em diversas direções, inclusive para si próprio, e a total ausência de um HUD. Quer saber quanto de munição você ainda tem? Anne irá falar a cada tiro disparado. Na dúvida quanto de vida lhe resta? Basta dar uma olhada nos… seios da personagem. É.
Felizmente, algumas das boas ideias de Trespasser viriam a ser usadas no futuro. Em 2005, a Ubisoft lançou Peter Jackson’s King Kong, feito, como o nome já sugere, em colaboração com o diretor do filme. A ideia era uma experiência que passasse a sensação de estar vivendo sua própria aventura cinematográfica na Ilha da Caveira. O HUD era completamente ausente, com um botão dedicado para que Jack, o protagonista, falasse em voz alta quanto de munição ainda tinha. A tela ficava completamente vermelha quando o jogador sofria dano, simulando um sangramento com o auxílio de uma trilha sonora dramática. Informações sobre como prosseguir nas missões (já bastante lineares, evitando distrações) eram dadas pelos personagens presentes na grande maioria da história. Soluções para os desafios, que normalmente incluem o uso de fogo ou brincar com a cadeia alimentar da Ilha da Caveira (onde os animais lutavam entre si e correriam pra fonte de alimento mais fácil), eram apresentadas de forma extremamente intuitiva. Embora não seja tão ambicioso quanto o título da DreamWorks, esse ainda é um dos melhores jogos baseados em um filme já feito, e uma das minhas “pequenas maiores tristezas” é ser tão difícil de conseguir achar uma cópia funcional pra se jogar hoje em dia, seja física ou digital.
Mas foi em 2008 que dois dos títulos que mais levaram a sério esse negócio de repaginar o uso de um HUD foram lançados: Dead Space, que foi originalmente uma tentativa de continuar a franquia System Shock e eventualmente se transformou numa espécie de “Resident Evil no espaço”, investiu em um HUD diegético, que é quando, ao invés do típico “pedaço de vidro” (usando as palavras de Dino Ignacio, designer da interface do game) que separa o personagem e o jogador, informações como vida, munição e inventário são integradas em elementos do mundo (no caso de Dead Space, na armadura e armas de Isaac). E ainda tivemos Far Cry 2, que “fisicaliza” seu sistema de navegação em itens do jogo: o mapa é realmente um mapa que o personagem segura em tempo real, o mini-mapa aparece como um GPS físico, quase todas as estradas possuem placas apontando direções (que ficam destacadas de acordo com o objetivo atual) e mesmo os menus tomam formas imersivas: o menu de pausa é um diário e o sistema de compra e upgrade de armas é acessado através de um computador. Infelizmente, Dead Space foi abandonado pela EA após o terceiro jogo por nunca conseguir alcançar as expectativas de venda irreais da empresa, enquanto a Ubisoft levou Far Cry para uma filosofia de design quase inteiramente diferente do segundo jogo da franquia, com HUDs mais tradicionais e até bastante intrusivos (embora isso venha mudando aos poucos).
Mas é em 2010, com o lançamento de Metro 2033, que a ideia de elementos diegéticos volta a ganhar força: no modo Ranger, quase todo o HUD do jogo é removido, com um detalhe: a experiência foi toda desenhada para funcionar assim. Além do design linear, o jogador se guia pelo mundo ao seguir NPCs e ao prestar atenção nos diálogos dos inimigos e, caso mesmo assim ficasse perdido, com o toque de um botão é possível equipar uma prancheta que mostra o objetivo atual e contém uma “bússola mágica” que aponta para a direção correta, o que no terceiro jogo, que trouxe como novidade algumas fases em mundo aberto, virou um mapa físico ao estilo Far Cry 2. A munição pode ser checada ao olhar para o pente de cada arma. O loot aparece equipado nos inimigos ao invés de apenas um ícone no inventário. O horário dentro do jogo (em especial no terceiro, que conta com um ciclo de dia e noite) e luzes que indicam a iluminação do ambiente (essencial nas várias sequências focadas em furtividade) aparecem num relógio no pulso do protagonista. Barra de vida? Nah, basta checar as bordas da tela que vão ficando cada vez mais vermelhas de acordo com o dano levado. Eu poderia passar horas falando do design maravilhoso dessa franquia, não a toa que ela mudou completamente a forma como olho pra o que jogo.
Algo que também mudou minha perspectiva em relação à informação dada em jogos foi o vídeo “Porque Nathan Drake não precisa de uma bússola” do canal Game Maker’s Toolkit, provavelmente o melhor canal sobre game design e minha principal inspiração para produzir esse tipo de conteúdo (muitos dos vídeos têm legendas em português, não deixe de conferir). Nele, Mark Brown explica os recursos visuais que a Naughty Dog utiliza em seus jogos para guiar o jogador de forma a não tirar o foco da aventura: enquadramento da câmera, tinta que destaca locais onde é possível escalar, e “Weenies” (ou “salsichas”), que são pontos de referência no horizonte (como torres e fumaça) que são constantemente focados e referenciados pelos personagens para garantir que o jogador sempre saiba em que direção seguir. Há ainda outros elementos que os jogos usam para trilhar a jornada, como bandeiras coloridas, destaques feitos usando a iluminação e placas indicando direções.
Desde então, minha mais nova chatice se tornou olhar as opções de interface de um jogo sempre que possível, até mesmo nos que já tinha jogado. E isso me levou a descobertas interessantes:
Em Red Dead Redemption, a ausência do mini-mapa me forçou a usar mecânicas que eu nem sabia que existiam durante as missões de Procurado. Ao me aproximar do esconderijo dos bandidos, percebi que usar as vestimentas da gangue me permitia entrar no local sem ser atacado. Para achar quem eu devia capturar, precisava acessar o inventário e olhar para o pôster de procurado, analisando o desenho e comparando com os NPCs do local para aí sim planejar meu ataque. Na fuga, sendo constantemente perseguido por capangas, percebi que bastava seguir os trilhos de trem mais próximos que eles eventualmente me guiariam para a cidade onde a delegacia estava. Nas minhas primeiras jogatinas, o mini-mapa me eximia de usar esses elementos do jogo e fazia com que eu prestasse atenção mais nele do que o que estava acontecendo em tela;
Em The Witcher 3, a maioria das missões já te dão algo pra seguir, seja um NPC ou uma trilha de pistas destacadas pelo sentido de bruxo. No mundo, descobri uma infinidade de locais com loot e missões escondidas que nunca reparei mesmo após três jogatinas porque estava sempre seguindo o mini-mapa. Cidades e vilas possuem placas interativas indicando mercadores e ferreiros. Nas cavernas e ruínas, onde os recursos de navegação só aparecem no mini-mapa, percebi que podia usar o sinal igni (uma mecânica aparentemente inútil) em tochas e fogueiras para criar uma trilha luminosa indicando o caminho certo a seguir quando precisasse voltar;
Já Horizon Zero Dawn, um game com opções de HUD sensacionais (dá pra desligar todos os elementos completamente ou fazê-los aparecer por alguns segundos ao tocar o touchpad do controle do PS4), ao invés do jogador, os inimigos são os que recebem elementos diegéticos a lá Dead Space: os olhos das máquinas mudam de cor de acordo com seu nível de alerta (variando entre azul, amarelo e vermelho) e sua integridade pode ser percebida quanto mais dano recebem.
E ah, se você curte fazer capturas de teals, pode esperar gastar umas horinhas nisso ao jogar assim.
Mas um “problema” em comum que esses jogos que mencionei compartilham é o mundo aberto. Por mais que hoje prefira jogar todos sem os maldito minimapas ou uma bússola (menos intrusiva, mas ainda assim uma distração), diversas vezes me pegava tendo que abrir o mapa constantemente para ter uma noção melhor de direção, já que os desenvolvedores desenharam a navegação em torno de um HUD. Em Metro ou The Last of Us, jogos majoritariamente lineares, é mais fácil criar recursos no cenário para guiar o jogador. Mas e num gênero que é marcado pela não-linearidade e uma infinidade de opções e distrações? Mapas e GPSs físicos, como em Far Cry 2, já são uma excelente opção, mas ainda são um menu que o jogador tem que olhar de instante em instante. A Bethesda já possuía soluções pra isso em The Elder Scrolls: Morrowind as estradas possuem placas apontando direções e é possível conversar com NPCs que lhe fornecem direções. As quests não possuem marcadores, forçando o jogador a prestar mais atenção nas informações que lhe foram dadas, ficando mais imerso no mundo. Apesar de suas sequências utilizarem auxílios de navegação no HUD, até pela escala gigantesca dos mapas, muito dessa filosofia permaneceu em Oblivion e Skyrim (e também na franquia Fallout), onde a curiosidade gerada pelo contato visual e a atenção aos detalhes presente no design de cidades e dungeons guiam o jogador, que em algumas viagens já deve se acostumar com as localidades a ponto de mal usar o mapa.
E após quase uma década de jogos em mundo aberto ao “estilo Ubisoft”, com mapas lotados de ícones e onde a exploração mais parece a ticagem de uma lista enorme, o design da Bethesda viria a influenciar a Nintendo em The Legend of Zelda: Breath of The Wild, onde muitos dos recursos aplicados em Morrowind viriam a ser usados com excelência. Mais que usar placas e NPCs para dar direções, Hyrule foi desenhada cheia de elevações que quase sempre terminam de forma triangular, seja o cume de uma montanha ou a ponta da torre de um castelo. Dessa forma, o jogador sempre tem um ponto de referência no horizonte que lhe guia pelo mapa mesmo sem qualquer elemento no HUD apontando para onde ir (o jogo tem um mini-mapa, mas pode ser desligado e, por favor, faça isso). O mapa acaba sendo uma enorme composição de “Winnies” que o jogador segue de acordo com sua curiosidade, levando a dezenas de horas de uma sensação genuína de descoberta.
Outro problema comum em jogos em mundo aberto é que eles são, frequentemente desnecessariamente grandes, tornando um tanto difícil para os desenvolvedores evitarem o uso de marcadores e minimapas. A FromSoftware resolveu isso desenhando o primeiro Dark Souls como, ao invés de um enorme descampado com vários pontos de interesse, uma série de castelos, masmorras e cavernas interconectados por corredores e atalhos que vão sendo desbloqueados ao longo da jornada, onde o único guia é um mapa mental que o jogador vai criando com o auxílio do excelente level design.
Dá ainda para criar um híbrido entre as filosofias de design da From e da Bethesda: Dragon’s Dogma e The Outer Wolrds, por exemplo, mesclam regiões mais abertas com desfiladeiros, desenhados de forma que sempre afunilam o jogador em alguma direção, evitando que ele fique andando em círculos ou sem rumo.
Mas existe uma razão para jogos mais recentes serem tão cheios de informação. Como mencionei no início do texto, os games se tornaram extremamente populares nos últimos anos, conquistando um público cada vez maior. E, quanto mais converso com pessoas que jogam casualmente, mais percebo que elas não tem muita paciência pra entender como um jogo funciona. Isso é algo que normalmente vem com anos de experiência, e muito do que falei até aqui são regras que podem parecer claras pra um jogador veterano, mas e quem não joga muito ou quer começar a jogar? Mesmo eu me peguei prestando atenção a certos detalhes em alguns jogos só depois de descobri-los através de terceiros, como o fato de que a maioria dos NPCs escondidos em Bloodborne são marcados por uma lamparina acesa e que a música durante o combate muda de acordo com seu desempenho em Assassin’s Creed Odyssey. Mais que desenhar um jogo de forma inteligente, é preciso garantir que as informações necessárias cheguem ao jogador de forma clara. Precisar de fontes externas para entender como um jogo funciona é algo que considero uma falha grave de design, e vejo muito gente desistindo de ao menos tentar entrar no mundo dos video games por conta disso.
Poluição visual é algo que percebo que muita gente não vê como um problema, mas talvez seja porque elas precisem do mesmo “estalo” que tive com Metro 2033. E o sucesso de Breath of the Wild talvez indique isso: a Ubisoft já vem implementando algumas das ideias da Nintendo em seus títulos mais recentes, como Far Cry 5 e Assassin’s Creed Odyssey, enquanto Ghost of Tsushima, talvez o jogo que mais tenha capturado o que a última aventura de Link quis fazer, acabou superando as expectativas e se tornou o novo IP da Sony a vender mais rápido, já sendo um dos exclusivos mais vendidos. Mesmo Metro Exodus, terceiro jogo da franquia, em um mês já havia vendido mais que os dois jogos anteriores somados. De uns dois anos pra cá, “imersão” é uma palavra que vejo sendo cada vez mais usada no material promocional de games de alto orçamento e a maioria dos jogos lançados nos últimos anos já vem com diversas opções de HUD. Pra mim, games deveriam ser como um portal que te leva para um outro mundo, o que é muito mais difícil de se fazer quando se tem uma barreira de texto entre o jogador e seu avatar. E com essa mentalidade sendo convertida em números, fico bem feliz com a direção em que estamos indo. Mas e você, acha que minimapas e outros recursos em forma de HUD atrapalham a experiência ou isso é só frescura? Fala aí nos comentários, deixa um like se curtiu o conteúdo e compartilha com os amigos. Até a próxima!
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