Animes e Mangás não são exatamente meu tipo favorito de mídia. Mesmo alguns dos títulos mais celebrados costumam ter alguns elementos de narrativa e design que não sou muito chegado. Então, sempre que meus amigos vinham falar do gigantesco One Piece, eu só ignorava. “Tá maluco que vou ver mais de 1000 episódios disso?”
Até que ano passado, quando um amigo resolveu começar a jornada do zero e não parava de falar disso (obrigado algoritmo do Facebook por usar meus dados pra me bombardear de uma coisa que eu nem via), resolvi dar uma chance pra aventura. “Vou ver só o começo”.
Quatro meses depois eu já havia assistido o anime por completo, lido o que faltava no mangá e assistido One Piece Red duas vezes no cinema.
Tem muita coisa na história de Monkey D. Luffy que me incomoda, como nesse tipo de mídia em geral, mas foi impossível não me apaixonar pelos personagens, sua aventura e o universo em que existem.
E cá estamos nós, em 2023, onde gastei uma semana com um jogo que até duas semanas atrás não tinha a menor intenção de jogar. Eu nunca fui muito chegado em RPGs de turno (continuo não sendo) e jogos de anime são conhecidos por produções, digamos, pouco inspiradas.
Esse definitivamente não é o caso de One Piece Odyssey, desenvolvido pela ILCA e escrito pelo próprio homem, Oda.
Na trama, Luffy e os demais membros do Bando do Chapéu de Palha são pegos de surpresa por uma tempestade e acabam encalhados na misteriosa ilha de Waford, onde são recepcionados pelo explorador Adio e uma garota chamada Lim, únicos moradores da ilha – fora a fauna carnavalesca esperada nesse universo.
Lim tem o poder de transformar memórias e poderes em cubo ao tocar as pessoas, o que faz com que a tripulação perca suas habilidades no começo. É uma forma simples e eficiente de justificar o sistema de progressão com personagens fortes dentro de uma lore já estabelecida, similar ao que a Respawn fez em Jedi Fallen Order.
Para recuperar seus poderes e continuarem sua jornada no Novo Mundo, os Chapéus de Palha precisam reviver, literalmente, algumas de suas principais aventuras, aos poucos recuperando o poder perdido.
Memórias são voláteis, algo que a história e o design do jogo aproveitam ao apresentar os arcos de Alabasta, Water 7, Marineford, e Dressrosa de forma repaginada e com diversas interações divertidas.
O que de início pode parecer apenas mais um JRPG genérico, com laudas e mais laudas de tutorial e lutas meio sem graça, acaba se desenvolvendo em uma trama envolvente sobre amizade e um RPG relativamente robusto que recompensa a estratégia e exploração.
Como posso contar nos dedos os RPGs de turno que já joguei por sempre achar o gênero meio chato – o tempo de espera entre o começo, turnos e fim de cada luta é uma versão sem a flexibilidade da imaginação de uma sessão de RPG de mesa – não sou exatamente uma autoridade no assunto.
Porém, dentro do que se pode fazer no gênero, Odyssey faz um trabalho bastante competente. Há um pé no turno tático, onde é possível ter algum controle sobre o posicionamento dos personagens – o jogador só pode usar quatro de uma vez, mas pode trocar entre os nove tripulantes em qualquer momento. Caso um seja derrotado, você pode trocar por outro que ainda esteja de pé até o final da luta.
Há também o sistema de Cenas Dramáticas, onde é pedido que o jogador cumpra um objetivo secundário dentro da luta em troca de experiência extra. Isso pode incluir impedir que um membro do grupo seja nocauteado antes do próximo turno ou mesmo derrotar um inimigo com o mesmo personagem que o derrotou no anime/mangá. É bem legal e recompensador.
A progressão é majoritariamente linear, mas dá pra explorar bastante dependendo do local e do ponto em que o jogador esteja na campanha, importante até certo ponto para estar forte o suficiente para as batalhas mais difíceis.
A maioria das missões secundárias são aquela coisa genérica de “mate X inimigos, colete Y ervas” e não valem muito o esforço, com exceção de uma linha que envolve reconstruir memórias que dão como recompensa ataques especiais em grupo que são bastante poderosos.
Há ainda um pós game onde é possível enfrentar inimigos poderosos e teoricamente achar a chave de baús espalhados pelo mapa, mas meus personagens já estavam tão forte ao fim da jornada que não vi muito sentido em ir atrás disso e já estava mais que satisfeito com minhas 35 horas de jogo.
O destaque mesmo vai para a história. A trama foi escrita, segundo os créditos, pelo próprio Eiichiro Oda. Apesar de ser tecnicamente um arco “filler” que não se encaixa dentro da cronologia da história principal, como normalmente acontece com os filmes – a história se passa aparentemente entre os arcos de Whole Cake e Wano, quando não faz sentido alguns personagens estarem ali – a aventura traz uma série de interações interessantes. Já imaginou os Chapéus de Palha reunidos durante a Guerra dos Maiorais? Pois é.
Mas não só de nostalgia sobrevive uma história. Odyssey também acerta ao focar em dois personagens inéditos, Adio e Lim. Lim é a estrela da aventura e reflete junto com o jogador e apreciador de One Piece os feitos dos Chapéus de Palha. O desenvolvimento dela é o fio que guia a história, repleta da construção de universo gradual e misteriosa pela qual Oda é conhecido.
Mas sim, o game é repleto de fan service de primeiríssima qualidade. De ataques tirados diretamente da aventura principal e diversas referências, até coisas mais singelas como o fato do chapéu de Luffy conter três remendos no topo e uma conexão específica ao filme Strong Wolrd. Para os mais dedicados, uma linha de missões secundária envolve um quiz sobre os arcos retratados no jogo.
Os personagens são os mesmos de sempre. Luffy é tapado, mas determinado e gentil, Zoro é perdido, Usopp é mentiroso e medroso, Robin fala coisas assustadoras de forma casual, etc. Se você gostar desses personagens tanto quanto eu, pode ter certeza que eles brilham aqui como quase sempre nas diferentes mídias de One Piece.
Vale lembrar que o jogo é dublado pelo mesmo elenco japonês do anime e toda a parte de texto e legendas se encontra localizada para o português brasileiro.
Vale a pena?
One Piece Odyssey é, antes da prova de que dá pra fazer ótimos jogos de anime, um testamento da capacidade de Oda em entregar ótimas aventuras nesse universo mesmo com 25 anos de conteúdo sendo lançado quase toda semana. Não é pra qualquer um.
O gameplay não sai muito do lugar comum do gênero e não é dos títulos mais bem otimizados – apesar de adaptar de forma competente o estilo de arte do anime para o 3D, o título não faz nada de graficamente impressionante e roda à apenas 30 FPS (com quedas notáveis) e 1080p no Xbox Series S, console onde joguei. Mas é um jogo divertido para quem gosta de One Piece… e talvez só esse público mesmo.
Mas estamos falando do mangá e anime de maior sucesso de todos os tempos, então gente é o que não falta, né?