Em algum ponto dos desenvolvimentos de Mafia III e Red Dead Redemption 2, ambos os games compartilhavam uma cidade em comum: New Bordeaux. É uma história interessante que mistura problemas de produção e uma teoria conspiratória.
Em abril de 2016, quando Red Dead Redemption 2 ainda não havia sido oficialmente anunciado (o que acabou acontecendo em outubro do mesmo ano), um mapa surgiu em fóruns da internet. Este seria, supostamente, uma representação vazada do mundo que os jogadores explorariam na aventura.
Levou até perto do lançamento do game em 2018 para ser possível confirmar se esse era ou não o mapa real do jogo.
E era mesmo. Apesar de algumas mudanças de nome e acréscimos (o estado de New Austin, do primeiro RDR, foi acrescentado ao já enorme mundo na versão final), o que recebemos é praticamente a mesma coisa do que foi vazado. Até mesmo Guarma, ilha caribenha fictícia que os jogadores visitam no capítulo 4 da história, estava inclusa no vazamento.
Entre as diferenças entre o antigo e o novo, uma curiosidade que gerou certo burburinho: na parte inferior esquerda do vazamento, é possível ver um nome: New Bordeaux. O nome era o mesmo da cidade onde era ambientado Mafia III, lançado em 7 de outubro de 2016 – apenas alguns dias antes do anúncio oficial de RDR 2.
Logo começaram a circular teorias de que Mafia e Red Dead compartilhavam o mesmo universo. Apesar de não pertencer a Rockstar, Mafia foi uma das várias franquias que se inspiraram em Grand Theft Auto, trazendo um gameplay que simula crime em mundo aberto. O terceiro jogo foi desenvolvido pela 2K, que pertence a Take-Two Interactive, também dona da Rockstar.
Pera, como assim? Vamos usar um exemplo da indústria do cinema: imagine que a Take-Two é a Disney, enquanto a Rockstar é a Marvel Studios e a 2k seria a Fox. Sendo assim, GTA e Red Dead seriam como Homem de Ferro e Capitão América e Mafia seria os X-men ou o Quarteto Fantástico.
Se você acompanha o universo dos games de longa data, talvez saiba que a ideia de um universo compartilhado não é exatamente novidade. Donkey Kong começou como um vilão do Mario e Kingdom Hearts é basicamente um multiverso que mistura personagens de Final Fantasy e da Disney.
A própria Rockstar já trabalha com essa ideia entre seus GTAs. Todos os jogos da franquia tem histórias e personagens próprios, mas que existem no mesmo universo – ou ao menos até a entrada da “era HD“, que começou em GTA IV e que teria sido uma espécie de soft reboot.
E há outros exemplos mais recentes, como pistas nos jogos da Ubisoft que indicam que Assassin’s Creed, Far Cry e Watch Dogs se passam, ao menos em partes, no mesmo universo.
Mas quando Mafia III lançou, não demorou muito pra coisa cair no esquecimento: após uma excelente campanha de marketing, o game foi recebido de forma morna por crítica e público, sofrendo de incontáveis bugs, gameplay repetitivo e uma sensação geral de falta de acabamento. É muito provavelmente uma das maiores decepções dos últimos anos.
Pulamos para 2018, próximo ao lançamento de RDR 2. O mapa do jogo é divulgado e podemos ver em detalhes cada localidade. E para aqueles que ainda lembravam do vazamento, a antiga New Bordeaux havia mudado de nome. A cidade, maior do game, agora se chama Saint Denis (nome do primeiro bispo e padroeiro de Paris).
Não há muito divulgado ao público sobre o porque da mudança, exceto uma menção em uma reportagem publicada por Jason Schreier na Kotaku, apenas três dias antes do lançamento do jogo.
Em entrevista com quase 80 pessoas que trabalham ou já trabalharam na Rockstar, o jornalista relatou alguns dos problemas que levaram ao crunch (jornadas de trabalho de mais de 60 horas semanais) que foi boa parte do desenvolvimento de RDR 2, que começou sua produção em meados de 2011.
Dan e Sam Houser, irmãos considerados as principais mentes criativas por trás dos grandes sucessos da Rockstar, costumam aplicar mudanças significativas em seus jogos mesmo em estágios avançados de desenvolvimento. Isso significa que muito trabalho pronto precisa ser descartado e refeito. RDR 2 passou por alguns momentos assim, com mudanças no mapa, na história e no gameplay.
Um exemplo notável foi a adição de barras pretas em todas as cutscenes do jogo para dar um maior efeito cinematográfico, uma decisão feita no último ano de desenvolvimento e que levou à um crunch brutal. Afinal, cada uma das cenas teve de ser retrabalhada para se encaixar no formato.
Em um dos relatos, um desenvolvedor alegou que New Bordeaux teve de ter seu nome alterado ao descobrirem que Mafia III utilizaria o mesmo nome, já mais próximo ao lançamento de Red Dead.
Isso significou que muitos dos dubladores tiveram que refazer suas falas, já que o nome da cidade era mencionado várias vezes, enquanto parte da equipe teve de remodelar e trocar as texturas de placas e letreiros com o novo nome. O trabalho durou semanas exaustivas.
A única menção ao nome original está em uma das músicas cantadas no acampamento da Gangue Van der Linde, Ring Dang Doo. Na canção, uma cidade com o nome “Bordeaux” faz parte da letra, logo no início.
E aqui saímos um pouco do que se sabe e entramos no campo da teoria: teria sido essa, mesmo, a razão para a mudança de nome?
Mafia e Red Dead tem similaridades de gameplay e temática, além de terem a mesma empresa como dona (no caso, a Take-Two). Levando em conta que Mafia III teve uma campanha bombástica de marketing e sendo lançado em 2016, quando RDR 2 foi anunciado e já estava em estágio avançado de desenvolvimento (a primeira previsão de lançamento era 2017), é um tanto estranho a Rockstar ter decido mudar o nome da cidade tão tarde. Não a toa, o processo de mudança foi trabalhoso.
Ambas as cidades são baseadas em Nova Orleans, no pantanoso estado americano da Louisiana. Quais as chances de duas grandes desenvolvedoras, com a mesma dona, escolherem o mesmo nome ao replicarem a mesma cidade (em períodos históricos distintos) em projetos feitos em conjunto?
Mesmo alguns dos acontecimentos da campanha de RDR 2 podem indicar a intenção de fazer referências entre os dois jogos. Na missão A Batalha de Shady Belle, Arthur Morgan e John Marston vão até uma antiga casa colonial em Shady Belle à fim de “limpar” o lugar e usá-lo como esconderijo para sua gangue. O local é bastante similar à Plantação Eaglehurst, utilizada como base pelo protagonista Lincoln Clay em Mafia III.
Curiosamente, a missão se encerra com outra possível referência: ao matarem uma gangue rival, os personagens levam os corpos até o pântano para serem devorados por jacarés. Essa é uma mecânica recorrente em Mafia III.
Os irmãos Houser já foram descritos diversas vezes como perfeccionistas (não a toa, todos os jogos do estúdio tem uma atenção aos detalhes sem igual), então devem possuir um certo zelo com suas criações. Com a a má recepção de Mafia III, imaginar algo assim associado ao pedigree da Rockstar pode não ter agradado nada aos Houser.
Talvez, por um longo tempo, a ideia era realmente promover um universo compartilhado entre as duas franquias, valorizando ambas as marcas e até criando hype para, quem sabe, algum tipo de crossover. Afinal, Jack Marston ainda poderia estar vivo em 1968, ano dos eventos de Mafia III e 54 anos após o final do primeiro RDR, quando o personagem tinha 19 anos.
Se esse é o caso, talvez só novas informações internas possam jogar luz sobre o que realmente aconteceu nos bastidores. Mas unir duas grandes franquias assim definitivamente não seria má ideia. Bom, a gente sempre vai estar aqui pra especular.
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