Esse ano realizei um pequeno sonho: comprei um PC bom pela primeira vez na vida. Apesar da potência, preferi embarcar numa experiência nostálgica e rejogar alguns dos meus jogos favoritos de gerações passadas com a melhor qualidade visual possível.
Eram tempos simples em que estúdios grandes arriscavam com mais frequência em projetos com identidade própria, mecânicas ousadas e que normalmente poderiam ser apreciadas ao longo de um fim de semana. Esse ano “tankey” os ótimos Horizon Forbidden West e Elden Ring, mas foram experiências que me custaram um mês cada, o normal para produções AAA de uns anos pra cá.
Apesar de adorar embarcar numa aventura interminável de vez em quando, às vezes sinto falta de uma experiência mais direta e rápida, sem muita firula. E acabei por ser agraciado com um código para Scorn.
Lembra quando você dava play num jogo que não te explicava nada e só esperava que você descobrisse o que fazer? Scorn não tem diálogos e mal tem cutscenes. Seu personagem acorda em um ambiente misterioso e sem qualquer explicação. Não há dicas, mapas ou marcadores: cabe ao jogador ir explorando e interagindo com o que for possível para descobrir o que fazer.
Apesar de possuir elementos de terror e tiro em primeira pessoa, Scorn é 90% um jogo de puzzles. Alguns deles podem ser um tanto complicados – logo no primeiro capítulo, o jogador tem de encarar um mecanismo meio Tetris para conseguir avançar. Imagino que haja grande desistência logo aqui, o que é apenas um prelúdio da estrutura da experiência como um todo.
A grande estrela, porém, é toda a parte visual do jogo. Scorn é um dos jogos mais bonitos que já joguei, não só pela parte gráfica em si mas pela fantástica direção de arte inspirada nas obras de H.R Giger (sim, o carinha que fez o design do Alien), com todo o misto entre bizarro, carne e sexo.
A cada novo cenário eu parava pra tirar umas fotinhas, pois cada um caberia dentro de algum belo e tenebroso quadro. O mundo de Scorn é um lugar macabro que parece saído direto de algum pesadelo – todo o lugar é desolado e sombrio, onde tudo parece feito de carne e osso, do maquinário à arquitetura.
Nisso entra a história que… bem, não existe. Como mencionado anteriormente, Scorn não possui diálogos, nem coletáveis ou exposição de informação de qualquer tipo. A jornada é mais uma experiência visual com uma óbvia metáfora sobre ciclos e vida em sociedade. Não é bem meu estilo favorito de narrativa, mas é o tipo de experiência que só os video games podem criar e me vi imerso na aventura brutal do meu personagem.
Vale lembrar que como o título do jogo sugere (algo como “Desprezo” em inglês), essa não é uma jornada para os fracos de estômago. Scorn é EXTREMAMENTE violento e não economiza na violência explícita, com sangue e tripas pra todo o lado. Até eu que não me importo muito com violência fictícia cheguei a fechar os olhos em algumas das diversas vezes em que testemunhamos o protagonista ser mutilado em primeira pessoa.
Para além dos puzzles e o visual, essa é uma experiência imersiva. Além da total falta de mapa e marcadores, o HUD do jogo com informações essenciais (vida e munição) só aparecem quando necessário e até o “inventário”, com o dispositivo que guarda itens de cura e munição, pode ser visto fisicamente ao colocar a câmera para baixo.
A parte de survival horror fica em segundo plano, mas está lá: vez ou outra o jogador passará por perrengues envolvendo criaturas que vivem nas entranhas dos cenários – literalmente.
Armas são lentas, pesadas e pouco eficientes. A ideia é evitar ao máximo os inimigos e entrar em conflito apenas em momentos pontuais. A ineficiência do combate, os excelentes visuais e a trilha sonora criam juntos uma atmosfera opressora que tornam Scorn uma experiência única.
Aqui é onde vemos um dos aspectos mais interessantes do jogo que infelizmente é mal utilizado, provavelmente por conta de seu desenvolvimento conturbado. As criaturas que habitam este mundo só querem ser deixadas em paz e normalmente não lhe atacarão desde que você fique longe, então é possível evitar conflitos na maior parte do tempo.
Aparentemente, a ideia original do jogo era apresentar um mundo que respondia de forma orgânica às ações do jogador, afetando a história e como outras formas de vida reagem e reforçando a ideia de que, o que quer que seja esse esse lugar, tudo funciona como parte de um único organismo.
Isso fica evidente em um momento do início do jogo onde uma escolha envolve realizar um sacrifício ou não (com direito a duas conquistas diferentes). Essa escolha, assim como optar por uma abordagem não letal, não tem efeito na experiência de forma alguma. Fica apenas o vislumbre do que poderia ter sido.
No fim das contas, posso dizer que gostei bastante de Scorn, apesar de suas limitações, uma e outra frustração com puzzles e do fator replay inexistente – só há um final e nada de muito diferente que possa ser atingido em uma segunda jogatina.
Mas vale lembrar: é um jogo de cerca de apenas oito horas, uma experiência audiovisual única e, se o preço dos jogos anda salgado, você sempre pode testar no Game Pass.
Inclusive, jogos assim mais experimentais, de nicho, são o que falta num mercado saturado com semi-RPGs de mais de 100 horas. Algo que talvez não existiria e pouco seria experimentado sem a ajuda de serviços de assinatura como o da Microsoft.
Isso só reforça a importância de serviços de assinatura acessíveis. Afinal, video games também são uma forma de arte, merecem a chance de ver a luz do dia e serem apreciados pelo público em geral. Desejo tudo de bom para a Ebb Software e que possam nos trazer mais experiências assim no futuro.