É difícil contar quantos ícones do PS4 e do PS Vita passaram pelas nossas mãos nos últimos anos, mas a sensação de ver um título favorito desaparecer sem aviso prévio é universal. No dia 30 de setembro de 2025, a editora japonesa Entergram vai “encerrar as vendas” de 106 jogos na PlayStation Store do Japão — um movimento que, embora restrito àquela região, acende um alerta global sobre a durabilidade do catálogo digital e a importância da preservação de games.
A PlayStation Store nasceu em 2006 junto ao PS3 e se consolidou como a principal plataforma de venda de jogos digitais da Sony. Ali, colecionamos desde blockbusters de arrasar quarteirão até pérolas indie que, de outra forma, jamais veríamos nas vitrines físicas. Mas nem tudo fica disponível para todos. Cada país tem sua loja exclusiva, com títulos e preços próprios: o Japão costuma ostentar lançamentos regionais que não chegam à América ou à Europa, enquanto no Brasil a polêmica gira em torno de reajustes de valores. Agora, a exclusividade japonesa recebe um baque: dezenas de jogos deixarão de existir oficialmente.
A notícia foi confirmada pela própria Entergram em comunicado à imprensa local. A empresa não entrou em muitos detalhes sobre o motivo — limitou-se a dizer que “as vendas serão encerradas” em 30 de setembro — mas a lista oficial traz clássicos de nicho, RPGs de estratégia e aventuras que atravessaram gerações de consoles Sony. Entre eles, figuram tanto lançamentos relativamente recentes quanto títulos consagrados que pareciam seguros no portfólio digital.
O fato de a ação ser exclusiva da PlayStation Store japonesa não reduz sua relevância. Mesmo sendo inacessíveis para quem mora em outros países, esses jogos representam parte da memória afetiva de milhares de jogadores. E, mais que isso, tratam-se de obras que, sem cópias físicas antigas, correm risco real de desaparecer para sempre. Afinal, uma vez retirado do ar, aquele link nunca mais volta — e os backups em servidores da Sony não são acessíveis ao público.
A PlayStation Store difere radicalmente de um país para outro. No Japão, é comum encontrar JRPGs e visual novels jamais lançados no Ocidente. No Brasil, lidamos com preços em reais e eventuais descontos em datas comemorativas. Em países como Turquia e Argentina, fâs protestaram publicamente quando a Sony reajustou tarifas no ano passado.
Essa pulverização dificulta a preservação. Enquanto no ocidente há iniciativas de colecionadores que guardam cópias físicas e até imagens de backup, no Japão muitos títulos de nicho nunca saíram em mídia tangível — nasceram, viveram e agora são apagados da loja virtual. Quando isso acontece, sobra apenas a esperança de vazar um arquivo .PKG antes do fim, ou confiar em emuladores ilegais, o que gera um limbo jurídico e cultural.
O fechamento maciço de lojas digitais levanta uma questão: como garantir que o legado de um meio tão efêmero quanto o digital não se perca? Em 2024, a petição “Stop Killing Games” reuniu mais de um milhão de assinaturas pedindo que editoras revejam políticas de delistagem. O argumento é simples: videogame não é apenas entretenimento passageiro, é expressão artística e patrimônio cultural.
Para historiadores de games — e até para estudiosos da economia digital — cada delistagem é como queimar exemplares únicos de um livro raro. Sem contar os programadores que estudam mecânicas antigas, designers que buscam referências visuais e músicos que querem analisar trilhas sonoras. Quando um jogo desaparece de lojas oficiais, toda essa cadeia de pesquisa e ensino fica comprometida.
Embora a Entergram não divulgue globalmente o catálogo completo, fontes como ComicBook revelaram alguns nomes de destaque entre os 106 títulos:
Apesar de nenhum AAA de enorme apelo estar na lista, a variedade de gêneros mostra o quanto o catálogo japonês é diverso. E, ao apagar esses jogos, a Entergram não corta apenas uma pequena fatia: ela remove pedaços de uma cultura gamer regional que não se repete em nenhuma outra parte do mundo.
Há diversos motivos comerciais e legais para a delistagem de títulos:
Entretanto, poucos argumentos soam convincentes quando a consequência é a perda de uma obra que ainda interessa a um grupo, mesmo pequeno, de jogadores.
Nos últimos anos, o debate sobre preservação de videogames ganhou força. Museus como o Strong National Museum of Play, nos EUA, e iniciativas acadêmicas em diversas universidades investigam técnicas de arquivamento. A Internet Archive chegou a promover o console virtual de emulação via navegador, mas enfrenta restrições legais de direitos autorais.
No Brasil, a situação é ainda mais precária: raramente há discussões públicas sobre preservar jogos digitais regionais. Quando lançamentos são adiados ou cancelados, só resta ao jogador recorrer a importação ou cópias piratas. Mas isso não resolve o problema cultural: acessar um jogo de forma irregular perde todo o histórico de contexto de lançamento, marketing e até de suporte original.
Embora a delistagem da Entergram seja um caso local, ela traz reflexo para o mercado global:
No fim, o consumidor global tem cada vez menos segurança em confiar unicamente no digital, e isso muda hábitos de compra, colecionismo e até de desenvolvimento de jogos independentes.
Se você, leitor, se importa com a memória dos videogames, há algumas atitudes possíveis:
Embora nada garanta 100% de sucesso, a mobilização coletiva pode forçar editoras a reavaliarem suas políticas e até a criarem “seções de legado” onde títulos antigos se mantenham disponíveis indefinidamente.
O encerramento das vendas de 106 jogos pela Entergram é um lembrete ruidoso de que nada no mundo digital é realmente permanente. Enquanto as lojas online facilitam o acesso imediato e global, também acendem o alerta de que, sem políticas de preservação rigorosas, corremos o risco de perder capítulos inteiros da história dos games.
A Sony, como gestora da PlayStation Store, está diante de escolhas: continuar evoluindo o catálogo baseado em renda ou inserir mecanismos que protejam o patrimônio cultural de videogames. O ideal seria equilibrar ambos: ofertas robustas para o presente, mas garantias para o futuro.
Até lá, resta aos jogadores do Japão, do Brasil e do mundo ficarem de olho nas datas de delistagem, apoiarem iniciativas de preservação e lembrarem que cada jogo comprado hoje é uma peça histórica que merece cuidado. Afinal, quando o tijolo cai e a porta se fecha, nem sempre há tijolo sobrando para reconstruir o passado.
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