Você sabe o que são games AA? Eles eram bem comuns até a sétima geração de consoles (Wii, PS3 e Xbox 360) e tiveram sua era de ouro nos tempos do PS2, uma das razões para o console ter uma biblioteca tão robusta. São basicamente um meio termo entre indie e AAA e que foram quase extintos nos últimos anos, quando as desenvolvedoras e publishers gigantes (como EA, Activison e Ubisoft) passaram a focar quase todos os seus recursos em games com orçamentos bombásticos. Vez ou outra ainda temos AA sendo lançados com relativo sucesso, como NieR: Automa e Hellblade: Senua’s Sacrifice, mas são quase anomalias nos últimos anos, onde o mercado está dominado por uma estrutura de “8 ou 80”, onde quando o jogo não é uma grande produção, ele é indie.
No entanto, os AA estão passando por um revival atualmente graças, em grande parte, a THQ Nordic, que vem investindo em franquias como Darksiders, Metro (uma das minhas favoritas) e Greedfall, que esse mês foi disponibilizado gratuitamente para assinantes da Playstation Plus.
Pois bem, vou falar aqui de um jogo em específico que fechou meu 2020 com chave de ouro: Elex.
O game foi produzido pela alemã Piranha Bytes, que ficou conhecida no submundo dos games cult por Gothic, um RPG lançado para PC em 2001. Com foco em imersão, Gothic possui HUD mínimo e a navegação pelo mapa se dá através do ótimo level design, onde o jogador precisa memorizar NPCs (que tem suas próprias rotinas) e pode resolver quests de formas distintas, com algumas soluções requerendo um pensamento fora da caixa. Escolhas tem um peso enorme e podem levar a um desenvolvimento completamente diferente pra história. Elex também está dentro dessa filosofia de design, embora abrace tendências mais modernas como quest markers mais tradicionais.
Agora, imagine que alguém pegou Skyrim, Fallout e um pouco de Star Wars e pôs num liquidificador: Elex é o resultado. O jogo é ambientado no planeta Magalan, que foi atingindo por um cometa que causou a destruição da civilização que lá habitava. Os sobreviventes descobriram que o cometa trouxe uma nova substância com propriedades especiais, que causou mutações na vida selvagem local, e o batizaram de Elex. Os sobreviventes se dividiram em quatro facções, cada qual com suas crenças em relação ao uso do Elex:
- Os Berserkers, que rejeitam tecnologia e aprenderam a processar o Elex e transformá-lo em mana, criando assim a magia;
- Os Fora da lei, que são basicamente o ancapistão/tribo do Mad Max desse universo, priorizando lucro acima de qualquer coisa (fragmentos com baixa concentração de Elex, ou elexit, são a moeda deste mundo);
- Os Clérigos, que abraçam o Elex como combustível e buscam preservar a tecnologia do mundo antigo;
- E os Alvos, um desmembramento dos Clérigos que passaram a consumir Elex puro a fim de suprimir suas emoções e atingir o próximo estágio da evolução humana, sendo comandados por um ser intitulado de Híbrido e estando em constante guerra com as outras facções para obter o domínio sobre todo o Elex do planeta.
Seu personagem é Jax, um dos principais comandantes Alvos que foi sabotado e, por alguma razão, teve todo o Elex de seu corpo removido, voltando a sentir emoções e tendo que reencontrar seu lugar no mundo.
Ok, mas o que esse jogo tem de especial? Pra começar, a ambientação dele é uma das mais incríveis que vi essa geração, comparado até mesmo a gigantes como The Witcher 3 e Zelda Breath of The Wild. O mapa é dividido em cinco regiões distintas:
- Edan, lar dos Berserkers, que estão recuperando a vegetação do mundo com sua magia;
- Abessa, igualmente coberta pelo processo de reflorestamento dos Berserkers e localidade da Cidade do Domo, única cidade neutra de Magalan (apesar de estar sob controles dos Clérigos);
- Tavar, um deserto inóspito onde fica localizado o Forte, base dos Fora da Lei;
- Ignadon, região de intensa atividade vulcânica e onde os Clérigos mantém sua cidade tecnológica;
- E Xacor, o gélido lar dos Alvos e seu líder, o Híbrido.
Cada ponto do mapa foi feito manualmente, guardando segredos, loot precioso (o jogo faz jus a ambientação pós-apocalíptica) e pode ser o início de uma das várias (e excelentes) side quests do jogo. É um dos poucos games em que você realmente pode se perder seguindo algo que chama sua atenção no horizonte, quase sempre te levando a uma descoberta interessante.
E mesmo que o seu personagem seja pré-determinado, quem Jax é depende de como o jogador interage com cada facção. Você só pode se aliar a uma delas e isso vai determinar como as outras reagem a você. Quase toda escolha envolve uma decisão difícil, que põe a moralidade contra os ganhos pessoais do jogador – o que aqui tem muito peso, pois Jax é um completo fracote no início do jogo. Esse é o único RPG que joguei em tempos recentes onde ser bonzinho demais significa que você vai se ferrar bastante.
Cada facção tem regras restritas e você precisa fazer coisas terríveis para ganhar o favor delas – cada qual tem vantagens e estilo único de gameplay, que varia do uso espadas, escudos e arco e flecha até armas laser, além de poderes que vão da magia poderosa dos Berserkers a habilidades de telecinese e controle mental dos Clérigos.
Se eu conquistei seu interesse até aqui, agora vou ter que ser chato e dar 3 grandes motivos pra esse ser um jogo difícil de recomendar (não a toa ele é tão desconhecido):
1- O jogo não foi localizado oficialmente para o Português. É possível encontrar uma tradução brasileira para PC, mas se você estiver num console e não tiver um bom nível de inglês, vai ficar bastante perdido. Alguns dos termos que usei no texto são inclusive traduções livres feitas por mim;
2- O jogo é MUITO mal feito. Além dos gráficos de PS3 (dos ruins), o jogo tem vários problemas de frame rate e dá umas “engasgadas” constantes. O som do jogo parece ter sido gravado por algum aplicativo barato e a jogabilidade deixa bastante a desejar: inspirada no gênero sous-like, mas sem o que deixa esses jogos justos e divertidos;
3 – Mesmo no nível fácil, a dificuldade do jogo é BRUTAL. Não como é em um souls-like, onde você tem que aprender como o jogo funciona para conquistar desafios. É praticamente IMPOSSÍVEL matar quase qualquer coisa nas primeiras VINTE horas de jogo porque seu dano é quase nulo. Para “upar”, é necessário ir realizando quests que só envolvam diálogos (são várias, e ótimas). A sensação de progressão é incrível por isso e o jogo fica divertido eventualmente, o que não quer dizer que tenha feito essa parte de forma correta.
E apesar desses problemas (que até me fizeram desistir do jogo por um tempo), Elex acabou me conquistando e se tornou meu RPG “old school” favorito nessa geração, quase tão bom como clássicos como Fallout: New Vegas. Uma sequência aparentemente já está em desenvolvimento e espero que a THQ Nordic continue financiando jogos assim.
O jogo ocasionalmente aparece em promoção em suas plataformas: PC, PS4 (onde comprei o jogo por 30 reais) e Xbox One, também rodando na nova geração através da retrocompatibilidade. Se você gostar de RPGs e estiver disposto a fazer vista grossa para os problemas mencionados acima, uma baita experiência lhe aguarda.