King Kong estreou nos cinemas em 1933 e virou um clássico instantâneo. Criado pelo cineasta Merian C. Cooper, o personagem passou por diversas adaptações cinematográficas ao longo das décadas e estabeleceu seu lugar na cultura pop em diferentes mídias, inclusive nos games.
Com Godzilla vs Kong vindo aí, o trailer recém-lançado do longa trouxe o soberano da Ilha da Caveira de volta aos holofotes, especialmente pelo aparente amor do público por grandes conflitos entre personagens famosos, como mostraram Batman v Superman e Guerra Civil em 2016. A internet, é claro (em especial o lado brasileiro), já nos presenteou com uma enxurrada de memes.
Paixão de longa data
Em meio as tretas entre #TeamKong e #TeamGodzilla, eu me lembrei que o gorilão ocupou um lugar especial no meu coração por um longo tempo. Apesar da versão de Jordan Vogt-Roberts render cenas de ação divertidas no bobo e despretensioso Kong: A Ilha da Caveira (e provavelmente agora contra o Rei dos Monstros), é o remake do diretor Peter Jackson, lançado em 2005, que mostra todo o potencial do personagem nas telas, sendo meu filme favorito durante a adolescência.
Combinando efeitos especiais de ponta (pra época) e a performance corporal do icônico Andy Serkis, a versão de Jackson mostra Kong como um animal inteligente e expressivo em meio a um épico de três horas.
Além do protagonista símio e os tripulantes do SS Ventura, o filme procura dar à sua versão da Ilha da Caveira toda uma identidade visual própria, com uma megafauna de criaturas bizarras perdidas no tempo. Como desde criança eu era obcecado por dinossauros, monstros e aventuras em locais misteriosos, não demorou muito pra me apaixonar pelo longa.
O falso documentário The World of Kong: A natural History of Skull Island, livro que mostra em detalhes as criaturas da ilha, acabou sendo o meu pontapé inicial para estudar Inglês, já que nunca foi traduzido para as bandas de cá.
E que forma melhor de explorar esse universo que um video game? Foi o que a Ubisoft, em parceria com o próprio Peter Jackson (e fizeram bastante questão de dizer isso logo no título), conseguiu em Peter Jackson’s King Kong: The Official Game of the Movie, lançado para PC, PlayStation 2, PSP, Xbox, Xbox 360, Nintendo GameCube e Nintendo DS.
Quando eu era moleque, minhas principais referência em quais games procurar eram os filmes e desenhos que assistia, num tempo em que adaptações virtuais eram bem comuns, mas péssimas, de modo geral. Em meio a várias tranqueiras, vez ou outra topava com algo realmente bom.
Misturando a minha obsessão por King Kong e a escassez de games com dinossauros que começou quando a Capcom matou Dino Crisis (o que infelizmente perdura até hoje), ainda me lembro de gastar o feriadão inteiro da Páscoa de 2006 maratonando o jogo, que procurava há meses.
Filme x Game
O primeiro grande acerto de Peter Jackson’s King Kong é, ao invés de simplesmente copiar a fonte, contar sua história de forma própria, mesmo que passando pelos mesmos pontos e envolvendo os mesmos personagens (dublados pelo elenco do filme).
O game ainda recria momentos icônicos como a luta entre Kong e três Tiranossauros (ou Vastatossauros, sendo uma evolução do Rex pré-histórico segundo o bestiário oficial), ao mesmo tempo em que entrega momentos marcantes originais, como quando um dos personagens é capturado e levado à um ninho de morcegos gigantes.
Além de te dar mais tempo com os personagens (até devido ao formato), a história faz até mais sentido de como contada no filme, onde o cineasta Carl Denham desembarca na Ilha da Caveira com sua equipe de filmagem e parte da tripulação do SS Ventura, sendo atacados pela população nativa pouco tempo depois. A atriz Ann Darrown acaba sequestrada e, em um dos momentos mais icônicos da cultura pop, é usada como sacrifício para Kong.
A partir daí, Denham usa o sumiço de Ann para liderar uma expedição em sua busca, com o objetivo de filmar todas as coisas incríveis que a ilha tem para oferecer. A coisa não vai muito bem e o custo humano é altíssimo, onde boa parte do elenco serve mais como bucha de canhão (ou comida de monstrengos) do que como elementos que movem a história.
No game, os principais eventos da história ainda ocorrem de forma similar, mas o ponto de partida é um tanto diferente. Ao chegar na ilha, os três botes que seguem em direção à costa acabam encalhando devido ao clima e diversas formações rochosas. Os sobreviventes logo se encontram em uma luta constante contra criaturas gigantes e famintas, enquanto procuram por um local onde o capitão do navio, Englehorn, possa pousar o seu hidroavião e resgatá-los.
O ataque dos nativos, assim como o sacrifício à Kong, ainda ocorrem, levando os personagens em direção ao coração da ilha. Assim, a trama flui de forma mais natural, onde a busca por Ann e a tentativa de fuga da ilha se entrelaçam em uma aventura consistente. O fato de a história ser focada em apenas seis personagens (Jack, Carl, Ann, Hayes, Jimmy e, claro, Kong) também ajuda a dar mais tempo e desenvolvimento à cada um.
Gameplay
O jogo é dividido em 40 capítulos extremamente lineares, a maior parte sendo protagonizada pelo escritor Jack Driscoll, com visão em primeira pessoa e funcionando como um FPS comum. Oito capítulos são destinados à Kong, com visão em terceira pessoa, elementos simples de plataforma e focados em te fazer sentir todo o poder do gorilão, capaz de quebrar tudo e todos que vê pela frente na base da porrada.
Uma das partes mais interessantes do design do game é que ele foi feito para simular um filme. Barras pretas e a total ausência de um HUD (como menciono nesse meu outro texto) são o padrão, recorrendo a outros elementos para passar informações importantes.
A primeira coisa que o jogador deve perceber ao assumir o controle de Jack é que a munição disponível é dita verbalmente pelo personagem, seja no meio do combate ou ao apertar um botão dedicado. É possível equipar apenas uma arma de fogo por vez entre as quatro disponíveis (pistola, escopeta, rifle ou metralhadora), espalhadas pela ilha através de caixotes lançados do hidroavião de Englehorn.
A munição é limitada, criando momentos tensos de survival horror, mas também é possível equipar dois tipos de lanças: uma fraca e improvisada, que pode ser infinitamente coletada das carcaças de animais, ou uma das poderosas lanças fabricadas pelos nativos, disponíveis em quantidades limitadas.
Além de seu uso óbvio como arma secundária, as lanças são usadas para solucionar puzzles simples, onde o jogador precisa usar fogo para queimar espinhos que estejam bloqueando o caminho, ou espetar larvas e libélulas gigantes e atirá-las para distrair um grupo de aranhas gigantes que estejam ao redor de uma alavanca.
O jogador pode inclusive usar esses elementos de forma criativa para resolver problemas sem gastar munição. A fauna da Ilha da Caveira é repleta de animais carnívoros que irão atrás da refeição mais fácil. É possível lançar uma distração em um matagal seco e, quando um dinossauro ou centopeia gigante for lá comer, atirar uma lança incendiada e ver a mágica acontecer. A Ubisot viria a reaproveitar essas ideias em Far Cry 2 e suas sequências.
Outro elemento interessante ao jogar com Jack são os NPCs que lhe acompanham durante a maior parte da jornada. Há um botão dedicado para interagir com eles, sendo possível pedir para lhe atirarem uma arma ou perguntar como estão se sentindo. Ann pode fazer curativos, escalar obstáculos e usar lanças em combate, sendo uma versão mais “empoderada” da personagem do filme (que fica presa no estereótipo de donzela indefesa). Carl vai passar a maior parte do tempo filmando tudo que é possível, também podendo usar lanças. Hayes é um ex-militar que pode usar armas de fogo e lanças (caso fique sem munição). E Jimmy… bem, ele reclama bastante de tudo e eventualmente vai atirar uma lança. Vez ou outra é necessário ajudá-los, mas também são bem independentes e competentes em combate, um equilíbrio um tanto difícil de encontrar até em games mais recentes.
Vale lembrar que Jack não é nenhum super soldado, então não espere poder bater de frente com um V-rex (o colosso protagoniza algumas das sequências mais tensas e memoráveis). O sistema de vida, ainda dentro da ideia de promover imersão cinematográfica, funciona num sistema de dois golpes: ao ser mordido, a tela pisca em vermelho, simulando um sangramento, enquanto uma trilha sonora dramática toca ao fundo. Uma segunda mordida já te leva pro último checkpoint.
Com Kong, a coisa é bem diferente. Além de aguentar bastante dano, nada é forte demais para o símio, capaz de derrotar qualquer coisa com seus punhos. O sistema de combate é bem simples e direto, promovendo diversão na dose certa.
É possível também utilizar troncos como arma, atirar inimigos contra outros, morder animais menores e bater repetidamente no peito para ativar um modo especial que deixa o gorila mais forte enquanto a tela estiver com filtro sépia. Animais maiores, como os V-rex e Morcegos Matriarcas, servem como chefes das fases e precisam ser finalizados com um golpe especial depois de atordoados.
Essas fases tem como objetivo principal encontrar e proteger Ann (assim como no filme), que pode se esconder durante algumas lutas e usar fogo para queimar obstáculos.
Há ainda dois capítulos que simulam a fuga de Kong em Nova York, embora não tenham recebido a mesma atenção que a aventura na Ilha da Caveira e sejam, de longe, a parte mais fraca do jogo.
Como o jogo é bem linear, não há muita exploração ou caminhos alternativos, mas é possível rejogar cada capítulo individualmente e conquistar pontuação baseada em tempo e inimigos mortos. Com os pontos, é possível desbloquear extras como filtros de tela, um modo museu onde é possível olhar de perto artes conceituais e modelos de criaturas, e até um final alternativo onde o jogador assume o controle do hidroavião de Englehorn para ajudar Kong a sobreviver ao ataque no topo Empire State Building.
Curto, mas marcante… e esquecido
Peter Jackson’s King Kong é a prova de que é possível criar um game incrível sem um mundo aberto gigante e centenas de horas de duração. Durando pouco mais de quatro horas, os 40 capítulos da jornada parecem uma aventura muito maior do que de fato é devido ao ótimo ritmo e a variedade de cenários e inimigos: da costa rochosa e misteriosa da Ilha da Caveira até pântanos repletos de perigos escondidos, de vales de Brontossauros à montanha onde Kong contempla seu reinado, o jogo usa da linearidade para criar uma montanha russa de momentos únicos e inesquecíveis, auxiliados pela excelente trilha sonora original composta por Chance Thomas (compositor de DOTA 2 e diversos outros títulos).
É uma experiência que coloco tranquilamente entre clássicos modernos como Uncharted, The Last of Us e Metro, sendo definitivamente o melhor game baseado num filme que já joguei e um dos meus favoritos do finado PS2.
Infelizmente, quando os direitos de um game licenciado expiram, a coisa entra num limbo existencial. O jogo simplesmente inexiste em forma digital em qualquer loja atualmente, sendo possível jogá-lo apenas se você tiver a mídia física… ou tentar, digamos, “métodos alternativos”.
A versão de PC, única plataforma ativa onde o game pode ser rodado, utiliza uma uma proteção anti-pirataria, a StarForce, que é capaz de corromper sistemas operacionais mais recentes e pode requerer uma formatação completa do computador. Sendo assim, o uso de emuladores acaba sendo a forma mais viável de jogar, embora isso requeira uma máquina mais potente que a versão nativa de PC e seja visualmente inferior.
Com Kong de volta em evidência, quem sabe a Ubisoft renove os direitos de distribuição com a Universal e traga um remaster para as lojas digitais de PC e consoles da nova geração, como recentemente aconteceu com Scott Pilgrim vs. the World: The Game. Não custa sonhar.
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