Em uma cartela inicial, e mais tarde repetido pelo personagem de Ketih David, Não! Não Olhe! (NOPE) nos propõe a ideia de que existem forças que não podem ser contidas, ou plenamente domadas. Assim, apesar da ilusão de colocar rédeas, em algum momento esta força pode ir em disparada para outra direção. Talvez esteja ai um dos principais núcleos de reflexão proposto por Jordan Peele neste seu terceiro filme.
Na história, um chamado acontece quando OJ (Daniel Kaluuya), e sua irmã, Emerald (Keke Palmer) avistam em sua propriedade estranhos fenômenos. Disto fica estabelecido que, se contarem, ninguém vai acreditar. Contudo no ocidente a palavra não te dá posse sobre o que você viu ou viveu. O dono do olhar é quem registra e assina, tal qual Eadweard J. Muybridge é o autor da sequência imagens do cavalo galopante, enquanto pouco se sabe sobre o jóquei em cena.
A trama então passeia pelo desejo de se ter o domínio do que se vê. Dentro e fora da tela, todos queremos uma “perfect shot” (enquadramento perfeito), como diz uma personagem. Mas como se doma uma imagem? Seria esse o conforto que buscamos no cinema?
- Pantera Negra 2: Assista ao emocionante trailer DUBLADO de Wakanda Forever!
- Top Gun: Maverick soundtrack | Conheça TODAS as músicas na trilha sonora do filme de 2022
Aqui Não! Não Olhe! pode mais saboroso para quem acompanha a trajetória de Peele. Depois de marcar seu espaço como diretor e roteirista do explosivo Corra! (Get Out, 2017), ele se tornou uma assinatura. Foi assim que Nós (Us, 2019) chegou aos cinemas não como um filme, mas “uma obra de Jordan Peele”. Assim também foram produções com sua chancela de produtor, como “Lovecraft Country” e “A Lenda de Candyman”.
Um homem preto que tem sua assinatura reconhecida. E afinal, o que é “uma obra de Jordan Peele”? “Um novo mestre do horror e suspense”, dizem as manchetes. Contudo, NOPE apresenta um criador não satisfeito em ficar em uma prateleira, carregar uma tag.
Assim, são muitas as vezes em que Não! Não Olhe! contraria a expectativa da sua plateia. Se em uma longa sequência a construção do suspense resulta em um susto falso, mais a frente o diretor nos serve em cena uma chuva de sangue, quando não esperávamos. Um filme selvagem, afinal.
O horror de NOPE está principalmente na vastidão do céu em plano aberto; no breu da noite onde pouco se enxerga; no desenho de som do que de fato não se vê, mas podemos sentir chegar. Nosso pavor mora no que não podemos conter e docilizar. Mas este não é essencialmente um “filme de terror”.
- O Predador: A Caçada | Onde assistir ao filme de 2022?
- Vênus Invisível: Coletânea de Junji Ito, com contos inéditos no Brasil, entra em pré-venda
Peele traz as grandes cenas de seu filme para a luz, abrindo geografia do espaço no quadro. Assim o diretor restitui o imaginário do cinema faroeste, mas agora com o personagem de Kaluuya como herói.
Além disso, é interessante como o filme encontra diálogo com os trabalhos de Steven Spielberg, quando a caçada a uma fera se torna o laço que aproxima pessoas. Desta forma, em certa medida a trama de NOPE é sobre como Emerald e OJ vão de irmãos distanciados á de fato uma família com amor e confiança mutua; adicionando no processo o curioso Angel (Brandon Perea) como agregado.
Porém entre referências a animes e outras produções pop, Não! Não Olhe! desafia nosso impulso de botar rédeas, domesticar as imagens e as classificar. Assim Jordan Peele se afirma não como um “diretor de terror”, mas sim como um artista que a indústria ainda não conseguiu domar por completo.